Há
esses momentos de vida em mim, Que
quiçá constituem os meus ossos E
a minha frágil carne de homem; Essas
inúmeras recordações, Esses
imperturbáveis batimentos de coração: A
glória de um aluno que me diz a ortografia de uma palavra; A
solitária aventura de um gafanhoto numa não menos solitária seara; Esse
milagre que nunca aconteceu; O incompreendido afeto daqueles que são os meus amigos; A
misteriosa descoberta da meia-noite; O
chamamento do fogo da lareira; A
estética inquestionável de um violino que nunca soube tocar; Uma
rua com nome de rio – Zambeze; A
escansão incompleta de um verso de Ovídio: “Permanecer
não é permitido”; A
exaltação de um nome — o meu — E
a voz quente da deia que o exaltou; A
informe paz da noite sobre este corpo Desumano
que recorda em saltos analépticos As
estranhas marcas do destino
O MITO DO OUTRO
destinos e outros fados
quinta-feira, 2 de janeiro de 2020
quarta-feira, 3 de janeiro de 2018
BERLIM
Multidões!
Os Muros não caem
Símbolos de sedição...
Desabam Muros
Na urgência do Cosmos...
Porque na exactidão bussolar,
Duas pessoas...
Duas apenas, mão-oeste, mão-este,
Numa conspiração singular,
Premeditam
Tocar-se
quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
INICIAÇÃO
Na
frágil transparência do verso,
Claramente,
versificava as coisas
Claras
de luz-cor e equilíbrios de sombras.
No
hemistíquio-pausa, era a luminosidade geométrica,
carregada de gestos calculados:
O
traço forte do aceno, a matinal clareza do sorriso,
O
pêndulo da vida na oscilação dos lábios-palavras...
Esboçava
indecifráveis radiâncias corporais em discursos óbvios:
Montanhas,
ventos, mímicas, gramática,
Dias
que são o futuro, horas tardias e vícios...
Essas
pequenas banalidades que são de qualquer um
Obrigavam
os outros a dizer que dava pena ouvi-lo,
Que
tudo não passava de ficção. Coitado!
Mas
talvez ele, numa compreensão maior, acreditasse
Que o
destino está na forma como articulamos as palavras,
Como
cumprimos os nossos gestos,
E que
a verdade não se procura,
Provoca-se
VARIAÇÕES
Frutos arco-íris envoltos em cores estonteantes dos extremos pomares do Sul ― Luz
Ventania-sibilância em mar verde-esfarrapado do Oeste azul ― Raiva
Oh! Mágico milagre de tão-só dois serem os olhos dos Homens ― Palavras
sábado, 16 de setembro de 2017
A ordem
Era
um homem letrado.
Alguém
que passou todas as vidas pelas que passava, emestudo e observação.
Meditou e decorou regras de todos os tempos.
Viu desabrochar as várias línguas da sua boca
E essas foram os reflexos, as imposições da sua própria
Língua-única.
Poliu sintagmas, decotou lexemas
E com eles, copiou, no presente, a conjuntura dos astros,
O movimento iterativo da História:
Aprisionou a indizível diacronia no instante sincrónico.(Estranha frase.)
Era um ser aprumado, mas de ideias circulares-quadradas.
Surgiam-lhe assim...! Sem mais!
Agarrava-se ao único poder que tinha: o paradigma.
E adornou, declinou, cultivou, urdiu, condenou
exageradamente também.
Ainda no presente, foi contemporâneo desatento dos
maiores poetas
E estranhou esta frase de Rimbaud (mais ainda a sua carta):
“Je est un autre.”
Certo da perfeição da regra singular, o mesmo homem,
Ou não estivesse ele convencido de que era todos os
homens,
Morreu das suas incansáveis mortes, descontente com a
imperfeição dos outros.
Numa noite, a meio de uma vida,
Acordou sem alento.
Tinham-lhe sussurrado ao ouvido:
“Procurarás os erros que revelam o Homem falível
E compreenderás o medo, a evolução
E a liberdade”
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