quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

INICIAÇÃO



Na frágil transparência do verso,
Claramente, versificava as coisas
Claras de luz-cor e equilíbrios de sombras.
No hemistíquio-pausa, era a luminosidade geométrica
carregada de gestos calculados:
O traço forte do aceno, a matinal clareza do sorriso,
O pêndulo da vida na oscilação dos lábios-palavras...
Esboçava indecifráveis radiâncias corporais em discursos óbvios:
Montanhas, ventos, mímicas, gramática,
Dias que são o futuro, horas tardias e vícios...
Essas pequenas banalidades que são de qualquer um
Obrigavam os outros a dizer que dava pena ouvi-lo,
Que tudo não passava de ficção. Coitado!
Mas talvez ele, numa compreensão maior, acreditasse
Que o destino está na forma como articulamos as palavras,
Como cumprimos os nossos gestos,
E que a verdade não se procura,
Provoca-se

VARIAÇÕES


Frutos arco-íris envoltos em cores estonteantes dos extremos pomares do Sul ― Luz           

Ventania-sibilância em mar verde-esfarrapado do Oeste azul Raiva

Oh! Mágico milagre de tão-só dois serem os olhos dos Homens Palavras

sábado, 16 de setembro de 2017

A ordem



Era um homem letrado.
Alguém que passou todas as vidas pelas que passava, em
estudo e observação.
Meditou e decorou regras de todos os tempos.
Viu desabrochar as várias línguas da sua boca
E essas foram os reflexos, as imposições da sua própria
Língua-única.
Poliu sintagmas, decotou lexemas
E com eles, copiou, no presente, a conjuntura dos astros,
O movimento iterativo da História:
Aprisionou a indizível diacronia no instante sincrónico.(Estranha frase.)
Era um ser aprumado, mas de ideias circulares-quadradas.
Surgiam-lhe assim...! Sem mais!
Agarrava-se ao único poder que tinha: o paradigma.
E adornou, declinou, cultivou, urdiu, condenou
exageradamente também.
Ainda no presente, foi contemporâneo desatento dos
maiores poetas
E estranhou esta frase de Rimbaud (mais ainda a sua carta):
“Je est un autre.”
Certo da perfeição da regra singular, o mesmo homem,
Ou não estivesse ele convencido de que era todos os
homens,
Morreu das suas incansáveis mortes, descontente com a
imperfeição dos outros.
Numa noite, a meio de uma vida,
Acordou sem alento.
Tinham-lhe sussurrado ao ouvido:
“Procurarás os erros que revelam o Homem falível
E compreenderás o medo, a evolução
E a liberdade”

Filhos de que mãe



Trabalhavam até tarde.
Depois, traziam filhos ao colo
E suor fresco, perto dos seios.
Trapinhos e pedaços de sujo,
Poisavam-nos ali.

 Ali era lugar de todos,
Mas, peças trocadas de puzzles,
Misturavam-se com pouco à-vontade.
Com voz humilde (que outra voz podiam ter,
Senão o léxico de palavras gordas com sabor a bagaço?)
Pediam o que sabiam pedir...


Os outros,
Estátuas marmóreas, alegóricas e cultas. Uau!
Tentando perceber “nuances”. Ui!
Observavam de viés aqueles frutos cheirosos,
Manchas de néctar no vestido alvo de hoje. Bah!
Mas não tiravam as conclusões:

Eram pobres,
Porque gente in estava em todas
E propagava a sua pureza,
Sem saber que a sua bondade conspirava contra a humanidade;
Instruir, cultivar, formar, disciplinar, endoutrinar
Tinham por sinónimos
Dealbar, joeirar, separar, limpar, varrer, liquidar...


Tudo sempre ao serviço do bem
E o Paraíso, ali, à espera