segunda-feira, 14 de julho de 2014

Estranha Alegria





Observava-o.
Banalidade típica,
Com o seu café, o seu cigarro, o seu Croft...
Homem de tantas vidas,
Magma de símbolos...
Fumava.
Tentava esquecer, julgo,
Esse calor ígneo das marcas da memória:
A seta que trespassou o ventre celta...
A carícia tácita que alguma vez cessou...
O anel eterno que estigmatizou o dedo da velhice...
E, porventura, a grafia apaixonada que o condenou no tempo...
Anos ante Christum...
Voltavam, no entanto, esses vestígios.
Voltavam, porque os gravara.
Gravara-os, para que houvesse a sua História
E testemunhasse que, outrora, fora outro
E que esta sua nova cara
Não era senão o porquê da ânsia da sua primitiva busca...
Sempre o vulcão reacende, compreendi.
Sempre o rasto da lava reaviva
As flores e os trilhos devastados...
Não,
Não há acasos em ser o Homem de hoje

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Íntimo



O mais antigo dos meus sonhos
É o de uma casa colonial
Com palmeiras e bailes
E escravos a brincarem em computadores.
Há também uma rapariga fresca,
Clara como a aurora
Com a calma e a beatitude de um anjo,
Que ordena a sua vida pelos horários
Dos programas de televisão,
Pensando que isso é o máximo...
Nesse mesmo sonho,
Com frequência, aparece
Um deus em ponto grande
A sussurrar-me:
“Pá!... Pá! … Ó Pá!...
Na minha infinita bondade,
Eu vejo-te.”
E ao fazer-se a manhã,
Com os olhos especados no tecto,
O corpo tenso,
Compreendo que assim sonham os infelizes,
Os cobardes e os crentes,
Compreendo que são os tentáculos da vida
Que tecem estes meandros
Que me perseguem incessantemente
Até à purificação